terça-feira, junho 05, 2007

ESPAÇO ESCOLAR: conservação ou transformação

Prof. Célia Costa
Prof. Itamar Nunes


Voltamos a dar à Pedagogia aquele aspecto familiar, misto de hesitação e de audácias, de receios e de clarões de Arco-Íris, de risos e de lágrimas também. Voltamos a colocar a educação no próprio seio do porvir do homem” (Célestin Freinet).
Este trabalho tem por objetivo tecer uma breve reflexão acerca da natureza predominante da prática educativa que vem se inscrevendo no espaço escolar. Conservação e/ou transformação constitui uma questão filosófica que ao longo da história tem dividido pensadores que lidam com pesquisas relativas à prática e à teoria da educação.Historicamente, o espaço escolar vem se prestando à manutenção da ordem social vigente, ao predomínio dos valores, das relações de poder e de produção prevalecentes. Isso deve-se à condição de ser de sua criação enquanto integrante de um sistema nacional de ensino, cuja afirmação, nas sociedades ocidentais, coincide, sobretudo, com o surgimento da sociedade capitalista ou do trabalho[3].Nesse sentido, a educação é como um espelho fiel que nos reproduz com clareza o que uma sociedade é, o que ela deseja fazer de si e o que ela afirma desejar, tanto quanto as enormes distâncias que por vezes se criam entre cada um destes termos (Vale, p. 8, 1997).Tratando-se da escola pública, observa-se que desde a sua criação ela se acha permeada de uma essencialidade eminentemente política na medida em que, nascendo no bojo da reelaboração da sociedade, carrega consigo o compromisso de veicular a concepção da rés pública, contribuindo para a construção da nação e para a formação de seus cidadãos. Portanto, encontra-se firmada no imaginário social presente nos valores e visões de mundo inerentes à esfera política, entendida em seu sentido mais amplo, isto é a sociedade, só podendo ser interpretada a partir das suas finalidades, quer implícitas, ou declaradas.Os pensadores crítico-reprodutivistas, nos anos 60 e 70, concorreram para a desmistificação da educação e da escola no capitalismo. Pensadores como Bourdieu e Passeron, Establet e Baudelot e Althusser, importantes pesquisadores franceses comprovaram, em seu sistema educacional, o poder ideológico que a educação carrega, conferindo à escola, enquanto instituição social responsável pela educação formal, o papel de preservação do status quo dominante.Na verdade, no capitalismo, como em qualquer sistema social classista, a existência da escola acha-se determinada pelos condicionantes estruturais que lhe conferem a tarefa de concorrer para a manutenção das relações sociais típicas desse modelo societal, fazendo com que toda a estrutura organizacional e proposta educativa estejam pautadas nos princípios que inspiram a própria ordem social capitalista[4]. Aqueles princípios, ditos liberais, da igualdade formal, da liberdade, do direito à propriedade, da segurança, da justiça e da concepção individualista de sociedade, que fundamentam a competitividade do sistema e, em última instância, legitimam a desigualdade social, são os mesmos pressupostos que nutrem o ideário educacional capitalista.Nessa perspectiva, assiste-se na escola, assim como em outros espaços institucionais do sistema, a presença de relações sociais eivadas da dominação através da existência de micropoderes[5], da competitividade, da racionalidade instrumental que orienta toda a base estruturante do currículo, fazendo com que a prática pedagógica, seja a tradução de uma violência simbólica[6], na medida em que tenta impor significados como algo legítimo a todos, ocultando as relações de forças que lhes são subjacentes; ao mesmo tempo, que busca inculcar nas crianças das diferentes classes sociais saberes práticos envolvidos na ideologia dominante (Althusser,1977).Para a maioria de nossas crianças e adolescentes a escola representa o preço social que têm que pagar face à expectativa de um futuro promissor. Nela, submetem-se à árdua tarefa de um processo educativo que não tem passado de adestramento, de adequação às normas sociais vigentes. Para Lauro de Oliveira Lima, as escolas celebram apenas, um processo litúrgico (um faz de conta) semelhante às cerimônias que marcam os ritmos sócio-antropológicos da vida coletiva (Lima, 1996). Isto implica dizer que as nossas escolas não têm, em sua grande maioria, se constituído em espaço feito de vida e a serviço da vida.O nosso modelo prevalecente de escola carrega consigo históricas mazelas que a tornam locus de fracasso para muitos. Um breve quadro da escola brasileira nos revela dentre outros fatores, a sua excessiva e esclerosada burocratização, responsável pelo emperramento de suas funções, fazendo-a preocupar-se mais com os meios em detrimento dos fins; um corpo técnico-docente, em grande medida, desqualificado face aos próprios avanços téorico-metodológicos no campo da educação, não investindo num processo sistemático de capacitação permanente, estratégia capaz de contribuir para que a escola saia do obsoletismo parasitário e enfrente as rápidas mudanças, sobretudo, com o avanço da ciência e da tecnologia que vem se operando na sociedade, a partir do processo de globalização e da nova ordem econômica.Parafraseando, ainda, Lima, o professor típico é um artesão que se repete indefinidamente na sua rotina secular (Ibdem) e quando tenta sair da mesmice é bombardeado pela repressão escolar, não obstante, guardarmos aqui as devidas proporções, tendo em vista a existência de saltos qualitativos na experiência docente de muitos profissionais[7].Ressalte-se que, apesar de situarmos a prática docente como um dos fatores de desqualificação escolar, há de convirmos que tal problemática assume uma feição contraditória, pois são os próprios educadores produtos e vítimas do sistema educacional.Por outro lado, a prática escolar vem concedendo peso significativo a uma visão conteudista sem grande relevância social, produzindo nos alunos deformações, muitas vezes irreparáveis, violentando-os em seu desenvolvimento cognitivo, apelando para a domestificação, a repetição e a memorização, negando-lhe aquilo que poderia ser denominado de dúvida metodológica (Ibdem).Convertida numa grande máquina classificatória, a escola tem se utilizado de um processo avaliativo avassalador e nefasto que encontra na reprovação seu mérito maior. De fato, a prática pedagógica da escola tem sido a única na sociedade que aposta no seu próprio insucesso. Assistimos, atônitos, educadores se vangloriarem da capacidade que possuem de ampliar o exército dos fracassados. Sua autoridade tem se afirmado na relação direta ensino X reprovação, através das famigeradas provas e notas que ocupam papel relevante no cotidiano escolar, constituindo preocupação, sobretudo, das famílias que nelas ainda creditam a possibilidade de seus filhos galgarem patamares superiores na excludente e seletiva escala social, concepção que vem sendo desmistificada nas últimas décadas.A escola vista a partir dessa ótica, traz consigo a grande missão de ratificar a lógica do modelo, mudando, de vez em quando, a sua face em função dos processos de modernização do próprio sistema, sem contudo, perder de vista, a essência da conservação que lhe é peculiar.Dito de outra forma, a relação entre educação e sociedade acha-se demarcada pelas etapas de desenvolvimento do capitalismo que, historicamente, nas passagens do mercantilismo para o industrialismo e deste para o monopolismo, propiciaram certas mudanças na forma de organização da produção na sociedade – do artesanato à manufatura, desta à máquinofatura e finalmente, em nossos dias, à automação – e, concomitantemente, mudanças significativas na organização da escola, adequando-a aos imperativos de cada processo modernizante.Nesse sentido, a própria Pedagogia, enquanto teoria da educação, vai, historicamente, assumindo contornos diferenciados, acompanhando a própria trajetória da sociedade. Assim, podemos visualizar no cotidiano da escola, diferentes formas de pensar e de fazer a educação a exemplo da pedagogia tradicional, da pedagogia escolanovista, da pedagogia tecnicista e neotecnicista, cujas raízes se acham firmadas na compreensão de mundo capitalista, fazendo parte do espectro conservador da educação.Para Apple, um dos teóricos da reprodução revisitada, o sistema educacional, ao fazer parte das relações sociais capitalistas, é também contraditório. Nesse sentido, a educação não é apenas espaço de reprodução pois, na medida em que reproduz a sociedade, a escola, enquanto uma instituição social capitalista reproduz, contraditoriamente, a luta entre a conservação e a transformação.Segundo esse autor, as escolas não são ” meramente” instituições de reprodução, instituições em que o conhecimento explícito e implícito ensinado molda os estudantes como seres passivos que estarão aptos e ansiosos para adaptar-se a uma sociedade injusta. Esta interpretação é falha, sob dois aspectos centrais: primeiramente, ela vê os estudantes como internalizadores passivos de mensagens sociais pré fabricadas. (...) A interpretação da reprodução é demasiado simples também sob outro aspecto. Ela subteoriza e portanto negligencia o fato de que as relações sociais capitalistas são inerentemente contraditórias sob algumas formas muito importante (Apple, 1989).Nessa mesma perspetiva Gandin afirma que se considerarmos a escola apenas como uma agência da (re)produção de hábitos e atitudes necessários ao ajustamento das novas gerações, fica impossível incluir aí a idéia de transformação. Mas Apple ao resgatar a idéia da tensão existente entre conservação/transformação inerente à educação porque é inerente a própria sociedade como um todo, dá uma nova perspectiva à discussão da reprodução (Gandin, 1995).Ratificamos tais concepções, comungando com a idéia de que existe na educação espaço para uma intervenção transformadora, na medida em que ela for capaz de veicular, considerando os conflitos que permeiam a própria ação educativa, contravalores à sociedade capitalista.Assim, contraditoriamente, porém, as formas de pensar e de fazer a prática educativa na direção da conservação, convivem com posturas pedagógicas que tentam romper com o instituído, inspirando-se numa razão crítica e comunicativa, tomando o trabalho interativo como o cerne da ação pedagógica escolar e, dessa forma, instituindo uma nova ação educativa.Cabe ressaltar, que o processo de democratização que vem se dando no país com avanços e limites, a partir dos anos 80, levando ao governo forças sociais e políticas comprometidas com projetos sociais progressistas, em importantes Estados e municípios brasileiros, a exemplo de Pernambuco, com a Frente Popular e nas administrações lideradas pelo Partido dos Trabalhadores como Belo Horizonte e Porto Alegre, possibilitaram a experienciação de políticas educacionais que acenam para construção de uma escola voltada para a maioria e com qualidade para todos.Nesse sentido, é importante destacar, que essa forma de conceber a escola em sua relação com a sociedade e o mundo da produção, não pode ser analisada de forma mecânica e metafísica, pois corremos o perigo de minimizar as lutas, historicamente empreendidas pelas classes trabalhadoras, no sentido de incluir suas demandas nas políticas públicas e na linguagem do Estado - o Direito -, redefinindo, por conseguinte, o espaço escolar, que por essência é dialético.Lutas sociais que se desenvolveram no mundo da produção, de certa forma foram, também, traspassadas para o mundo escolar, a exemplo, das reivindicações e das significativas conquistas pela democratização do acesso e da gestão e, hoje, sobretudo, pela melhoria da qualidade do ensino que interessa à maioria da população trabalhadora.Assim, nem só de conservação vive a escola, isto é, nem só da reprodução ideológica e da ordem social vigente vive o espaço escolar, ele encerra também um locus de transformação que lhe dá uma dinâmica própria, abrindo brechas e possibilidades alternativas de um novo fazer educativo pautado nos contravalores que circulam no todo social.A sociedade capitalista tem essa grande contradição. Se por um lado cria instituições que têm funções de perpetuação do sistema, por outro lado, “admite” a existência de um certo pluralismo ideológico que permite lutar pela reversão da ordem instituída. Por isso, é possível afirmar que os valores democráticos constituem um valor universal[8] na medida em que, contraditoriamente, permitem a luta por uma nova hegemonia, através da organização e da mobilização dos sem propriedades (sem terra, sem casa, sem trabalho, sem escola, sem comida, sem esperança etc.) e daqueles que acreditam no poder de se instaurar um novo modelo de sociedade a partir da importante contribuição da escola em suas articulações com outras instituições da sociedade civil.O caráter transformador da escola aponta para a possibilidade de se instalar uma sã rebeldia enquanto semente geradora de um novo modo de pensar a escola, tornando-a um espaço vivo, prazeroso, descontraído, livre, sem perder de vista a construção de um conhecimento verdadeiramente significativo, na medida em que interagindo com a vida, se revela útil à vida e para a vida.Várias têm sido as tentativas de rompimento de práticas educativas comprometidas com a manutenção da ordem social predominante. As teorias críticas da educação têm dado, sem sombra de dúvidas, relevantes contribuições à prática pedagógica, imprimindo-lhe inovações que vêm concorrendo para a construção de um novo perfil escolar.Foi na tentativa de encontrar experiências significativas de práticas que se distanciassem do convencional que optamos por selecionar algumas escolas socialmente reconhecidas como veiculadoras de uma nova concepção educacional, de caráter alternativo, na cidade do Recife. Assim, tivemos oportunidade de ver de perto as experiências pedagógicas vivenciadas nas escolas: Arco Íris, Capibaribe e Recanto, escolas que integram a rede particular do ensino absorvendo, fundamentalmente, uma clientela de classe média cujas famílias, em sua maioria, são constituídas de intelectuais engajados em movimentos sociais e políticos progressistas. Nelas, buscamos ouvir alunos, professores, técnicos e direção, tentando captar como a escola se organiza, funciona e põe em prática seu projeto educativo.Dos depoimentos expressos podemos apreender alguns aspectos que foram realçados na prática pedagógica dessas escolas como:Projetos educativos fundamentados em referenciais teóricos da Pedagogia de Freinet, de Paulo Freire e na perspectiva construtivista de Emília Ferreiro;Propostas políticos pedagógicos alicerçados em cinco princípios básicos:respeito aos conhecimentos prévios dos alunos;a prática da liberdade de expressão;tratamento experimental dos conteúdos curriculares - preocupação com o por quê dos conhecimentos;cooperação;trabalho como categoria social básica;Ênfase ao desenvolvimento da criatividade dos alunos através das "artes";Inclusão de artes, esportes e lazer como eixos curriculares;Uso de temas geradores na abordagem curricular – complexos temáticos ;Ênfase ao desenvolvimento do senso crítico para a formação da cidadania;Democracia, cidadania, solidariedade, respeito ao outro e autonomia como valores fundamentais da prática educativa;Participação dos alunos em atividades como conselho de classe e conselho escolar;Participação dos pais nos processos pedagógicos e administrativos, inclusive na sua gestão financeira;Do exposto, percebe-se que a preocupação explícita com relação à consideração das experiências e dos conhecimentos prévios dos alunos se justifica pela própria base teórica que inspira o projeto educativo dessas escolas que encontram em Paulo Freire e em Freinet as pilastras de suas propostas pedagógicas. De Freire acha-se presente o pressuposto da educação enquanto uma prática dialética, em que o educador e o educando aprendem mutuamente, onde o conhecimento também entendido numa perspectiva dialética, traduz o constante movimento de pensar sobre a prática e a ela retornar, transformando-a . Pensar, portanto, em cima do concreto, do real e não pensar pensamentos, o que significa não encarar o conhecimento a partir de uma atitude passiva e bancária, visto que o conhecimento do conhecimento anterior a que os educandos chegam ao analisar a sua prática concreta, abre-lhe a possibilidade de um novo conhecimento (Gadotti, 1993). Conhecimento novo que, indo mais além dos limites do anterior, desvela a razão de ser dos fatos, desmistificando as falsas interpretações dos mesmos.Isso nos é revelado a partir das seguintes falas: a escola permite o debate de temas a partir do conhecimento que as crianças trazem consigo; a escola busca partir do conhecimento existente para desenvolver novas idéias nos alunos; exploração da realidade do aluno, partindo-se do aluno, do que ele traz da vida.Para tais escolas, existe a forte preocupação com a socialização dos conhecimentos, com a troca geradora de um novo conhecimento. Um conhecimento que se obtém mediante a contextualização, que assume a condição um princípio fundamental na abordagem curricular, permitindo ao aluno estabelecer relações e compreender conceitos.Já de Freinet, cujos ideais revolucionários de educação situam o trabalho como categoria central da vivência, pedagógica, encontramos na prática cotidiana de duas dessas escolas os seus cinco princípios educativos: respeito aos conhecimentos prévios dos alunos, tateamento experimental, livre expressão, cooperação e trabalho.De fato, na prática dessas escolas, sobretudo daquelas de inspiração freinetiana, adquire relevo o uso de situações desafiantes do cotidiano em todas as áreas. O desenvolvimento intensivo da pesquisa relacionada com as questões da vida diária dos alunos e da escola, observando-se esta prática do Pré-escolar ao 2o grau.Na escola Arco Íris, por exemplo, escola que oferece o ensino do Pré-escolar e fundamental de 1o à 4o série, verificamos essa preocupação inclusive, mantendo a participação dos pais e de pessoas da comunidade no desenvolvimento de pesquisas e dos temas trabalhados no seu dia a dia. Complexos temáticos como: a ação da cidadania contra a miséria e pela vida, a questão do meio ambiente, da reforma agrária, do desemprego, a organização da sociedade em movimentos sociais, a exemplo dos sem terra, dos negros, dos feministas e as formas de lutas dos excluídos, são conteúdos integrantes do currículo dessa escola. Elucida essa fato a participação dos alunos numa das greve dos professores da UFPE, conforme ilustração ao lado.Na verdade, o trabalho com os complexos temáticos provoca a percepção e a compreensão da realidade, explicita a visão de mundo em que se encontram todos os envolvidos em torno de um objeto de estudo e evidencia as relações existentes entre o fazer e o pensar, o agir e o refletir, a teoria e a prática. (Rocha, 1994). Permitem, assim, uma visão de totalidade, em suas múltiplas dimensões, mediante um olhar particular de cada área do conhecimento, o que possibilita romper com a sua fragmentação.A prática da construção coletiva do conhecimento é uma tônica nessa escola que pode ser constatada em textos coletivamente elaborados, em pesquisas e relatos de experiências vividas pelos alunos em visitas a locais onde os fatos históricos se dão. A participação dos alunos dessa escola, intervindo nos processos sociais é uma prática sistemática na forma de abordar o conhecimento, articulando teoria e prática numa perspectiva contextualizada, conforme evidenciamos na carta enviada a Betinho na Campanha Contra a Fome, publicada no jornal do IBASE, de circulação nacional.Encontramos, nos cadernos Arco Íris, A sabedoria popular e a sabedoria da escola: subsídios para uma prática de construção de conhecimento, a concepção de que a abordagem de temas tem um objetivo comum, compreender esse mundo que nos rodeia: a natureza, os homens, como vivem, como se organizam, como produzem, como festejam. É o tema organizando nosso processo de compreensão da realidade; possibilitando também a cooperação, a troca de informações e experiência; viabilizando uma abordagem funcional e integrada dos programas, nas diversas áreas do conhecimento (Ibdem).Para a Arco Íris, essa metodologia de trabalhar o conhecimento vivida pela escola, tem viabilizado, de forma mais consistente o processo de ampliação dos conhecimentos dos alunos nas diversas áreas de estudo, criando assim um desejo, necessidade de pensar, refletir, encontrar soluções, criar questões e de experimentar a alegria do saber (Ibdem).A preocupação evidenciada pelas três escolas com a livre expressão do aluno, com a formação do senso crítico com a reflexão e com a sua liberdade, permite perceber a relação existente entre conhecimento x comunicação x realidade, perpassando a idéia de que o sujeito pensante não pensa sozinho, pensa juntamente com os outros, conforme Freire. O desenvolvimento da linguagem, através da livre expressão, constitui uma das mais importantes habilidades capazes de conferir ao homem a possibilidade de exercer a condição de sujeito histórico, na medida em que é capaz de proclamar sua leitura de mundo, criticar, argumentar e contra-argumentar.Em que pese ser também uma das mais importantes habilidades exigidas, hoje, pelo mercado, através do novo ordenamento econômico mundial, é preciso desenvolver essa livre expressão dos educandos na perspectiva da humanização do homem e não meramente no sentido da sua instrumental mercantilização. Nesse aspecto, não se pode perder de vista que a livre expressão constitui requisito fundamental ao exercício de duas importantes dimensões da cidadania, a civil e a política, contribuindo, sobremaneira, para a prática do jogo democrático na escola.A ênfase evidenciada ao respeito e ao desenvolvimento da liberdade do aluno permite perceber a direção da prática educativa na perspectiva da participação livre e crítica dos educandos. Em Freire, encontramos a preocupação com um processo educativo que assume a liberdade e a crítica como modo de ser do homem e que só pode efetivar-se no contexto livre e crítico das relações que se estabelecem entre educando e destes com os educadores, no cotidiano escolar. É mediante tais práticas que o educando poderá tomar consciência de si e do mundo, se inserir na história não como espectador, mas na condição de protagonista.Tais escolas evidenciaram conceber e trabalhar a criança como ser pensante que desenvolve idéias sobre a realidade e que tem uma história, além da preocupação com a formação do espírito reflexivo do aluno quando afirmam que a cada ação corresponde uma reflexão, pois o aluno não faz nada porque se mandou.Pelas respostas dos alunos, parece que uma grande diferença entre essas escolas ditas alternativas e outras - aqui consideradas convencionais -, é a forma de relacionamento que se vive no seu cotidiano. Esse relacionamento diferente parece ser conseqüência do nível de participação dos alunos nos processos pedagógicos que se vive na escola. Observamos que essa participação não se faz de forma politicamente organizada (em todas as quatro escolas visitadas, a prática da organização política em instituições, a exemplo de Grêmios Livres, não foi evidenciada), assemelhando-se a uma relação íntima, quase familiar, tornando a escola como se fora uma extensão da própria família.A não existência, nessas escolas de um código disciplinar, de um Regimento Escolar elaborado com a participação dos alunos reforça a interpretação de que a participação politicamente organizada dos alunos parece não ser um foco central de suas propostas pedagógicas.A prática vivenciada, não obstante parecer assemelhar-se à extensão famílial, tem possibilitado a livre expressão e o debate democrático em sala de aula e na escola, a análise crítica tanto da prática educativa como em relação às questões sociais e políticas mais amplas, contribuindo para que os alunos tenham um carinho especial pela escola e amem a sua prática. Essa experiência que, de certa forma, aproxima direção/professores/técnicos dos alunos e, na maioria dos casos parece suprir, substituindo, de certa forma, a carência afetiva e o distanciamento pós-moderno nas formais relações familiar da classe média alta brasileira. Destaque-se ainda as afirmações de que essa prática possibilita relações mais fraternas, pela ausência de rígidas hierarquias que dão o tom nas escolas mais tradicionais.Outro aspecto ressaltado pelos alunos é que essa relação mais interpessoal contribui, também para a redução daquele clima de competição tão freqüente, e de certa forma estimulado pelas grandes escolas, especialmente, naquelas que preparam tendo em vista, sobretudo, a seleção do vestibular.Nesse sentido, a vida acadêmica nas escolas pesquisadas parece contribuir mais para a formação e o desenvolvimento do espírito humanista dos educandos, o relacionamento fraterno, sem o pieguismo religioso, e a vida mais solidária da prática educativa, vem concorrendo para que nasça nesses alunos o senso crítico e percebam a importância do exercício da cidadania ativa como forma de transformar a injusta sociedade capitalista e se engajem em movimentos sociais na luta pela construção de uma sociedade mais justa.Para os alunos, no entanto, lhes incomoda a visão negativa que as pessoas têm da escola . Segundo eles, o pessoal de fora acha que a escola confunde liberdade com libertinagem; confunde os alunos como baderneiros e marginais. De modo geral as pessoas acham que nossa escola é anarquista; Muita gente ignora o corpo competente de profissionais que existe aqui; O que teria de reclamar é da estrutura, do espaço físico, não ter piscina, por exemplo.As estruturas físicas de pequeno e médio porte dessas escolas, sem equipamentos sociais mais sofisticados, a exemplo de piscina, quadras desportivas, etc. e as suas relações interpessoais permitem, no dizer dos próprios alunos uma maior aproximação e uma confiança entre alunos e a comunidade acadêmica, facilitando uma abertura maior para o diálogo, a crítica , e as sugestões para o melhor andamento da instituição escolar, possibilitando ainda, um acompanhamento mais profundo do crescimento dos alunos, através de um tratamento mais personalizado.Entretanto, em que pese essa prática evidenciar uma forma de atendimento quase que personalizado, constitui um dos mais importantes fundamentos, na ação pedagógica dessas escolas, a experiência do trabalho coletivo, sugerindo que esta vivência concorre para que os alunos tenham a consciência de que o segredo do êxito nas lutas sociais está na organização coletiva para o enfrentamento. O princípio de analogia que norteia essa prática parece ser de que não existe o herói sozinho.Assim, as escolas buscam a combinação entre uma ação mais personalizada com a experiência da participação dos trabalhos em grupos, evidenciada na disposição das carteiras nas salas de aula, em sua maioria em círculos, e na livre expressão possibilitada pelos debates sobre temas da atualidade, sobretudo nas áreas das ciências humanas que concorrem para a formação da consciência crítica e da cidadania contando com a participação de pais e representantes da comunidade.É importante ainda destacar, o entendimento que essas escolas evidenciam com relação à educação como ato político que assume a finalidade de formação do cidadão. Existe uma clareza por parte do seu corpo acadêmico quanto à dimensão política e social da escola bem como uma compreensão crítica das relações de poder que se dão no âmbito escolar.Dessa forma, o princípio da participação dos pais na gestão administrativa e pedagógica, inclusive na gestão financeira, possibilita uma maior integração entre família e escola ao mesmo tempo que sinaliza para a vivência de uma gestão democrática. Assim, o nível de participação que se vive nessas escolas parece ser um dos pontos mais importantes que concorre para a formação da cidadania e para o desenvolvimento do senso crítico dos alunos.Vale lembrarmos que a questão do exercício do poder nas escolas mais convencionais vem se constituindo como um dos principais entraves no processo de democratização de suas estruturas internas. Mesmo em colégios que assumem ou tentaram assumir o Planejamento Participativo como uma grande bandeira, isso é, uma forma de pensar e de ser de seu projeto educativo, constatamos que as suas fortes e hierárquicas estruturas de poder imperram a própria ação pedagógica. Muitas dessas escolas aderem, talvez, ingenuamente, à proposta de Planejamento Participativo entendendo-a apenas em sua dimensão técnica, uma forma diferente de construir o projeto pedagógico da escola. Não percebem, contudo, a sua conotação eminentemente política na medida em que essa prática vai mexer no exercício do poder, cujos reflexos vão se fazer presentes no cotidiano da escola, através da redefinição das relações de poder, que tendem naturalmente a se tornar mais flexíveis na hierarquia burocrática da instituição. Muitas dessas escolas ao se darem conta dos perigos imputados pela prática do Planejamento Participativo desistem ao longo da caminhada, gerando frustrações, desencantamentos, desesperanças e descrenças na comunidade escolar.Contudo, não podemos negar a grande contribuição que o Planejamento Participativo vem dando ao avanço de muitas escolas, inclusive em uma daquelas incluídas na presente pesquisa – Capibaribe, fundada por Paulo Freire em 1955 - como instrumento não só de democratização do espaço escolar, bem como de construção de um projeto pedagógico que aponte para a melhoria da qualidade do ensino, na perspectiva dos que fazem o cotidiano escolar.Vale ressaltar, que a participação dos alunos, em algumas dessas escolas, em Conselhos de Classe, tem se constituído enquanto mecanismo de democratização e de melhoria da qualidade do ensino. Na escola Recanto, por exemplo, o formato diferenciado que assume o Conselho de Classe parece apontar para uma grande inovação. Nela, funcionam funcionam em caráter permanente, uma vez por semana, constituindo um espaço de participação efetiva de todos os alunos da classe, sendo por eles dirigido, propiciando um processo avaliativo das ações desenvolvidas ao longo da semana e de preparação para das atividades a serem vivenciadas na semana seguinte. Nesse processo, os alunos apontam de forma crítica avanços e limites detectados na prática escolar. Nesses fóruns, os professores participam como avaliador junto com a turma.Outra experiência no que diz respeito ao exercício do poder e à forma organizativa da escola foi detectada na escola Capibaribe, que tem sua estrutura organizativa assentada em grupos de trabalhos – GTPLAN, GTDIS, GTCAP - e em Conselhos – de pais e de alunos – sob a direção de uma gestão colegiada - o conselho diretor -, constituído por dois diretores, três coordenadores, um orientador e um assessor administrativo.Resta-nos afirmar que a (re)significação do conhecimento a partir de uma nova concepção metodológica, de forma contextualizada, a prática da participação, da gestão colegiada, do diálogo, da crítica, da livre expressão, da arte, da criatividade, da liberdade como princípio fundante da prática pedagógica, a compreensão do aluno tanto na sua dimensão individual quanto social , constituem, conforme o exposto, sinais de avanços relevantes na direção de uma prática escolar transformadora.Contudo, não obstante, os notórios avanços imprimidos à prática cotidiana das escolas alicerçados pelo pensamento crítico da educação tendo em vista a redefinição do espaço escolar, na perspectiva da vivência de uma prática alternativa, observamos que muito caminho ainda precisa ser trilhado para que, de fato, se confira à escola uma feição em sua totalidade transformadora.Gostaríamos de concluir com um desafio ratificando, juntamente com a Escola Arco Íris ao afirmar em seus escritos, as palavras de Freinet: voltamos a dar à Pedagogia aquele aspecto familiar, misto de hesitação e de audácias, de receios e de clarões de Arco Íris, de risos e de lágrimas também. Voltamos a colocar a educação no próprio seio do porvir do homem (Freinet).BIBLIOGRAFIAAPPLE, Michael. Educação e Poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.GADOTTI, Moacir. Pensamento pedagógico brasileiro. S. Paulo: Ática S. A ., 1987.___________. História das Idéias Pedagógicas. S. Paulo: Ática S.A., 1993 .GANDIN, Luis Armando. Educação Libertadora: avanços, limites e contradições. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.LIMA, Lauro de Oliveira. Para que servem as escolas? Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.RODRIGUES, Neidson. Da mistificação da escola à escola necessária. S. Paulo: Cortez, (coleção Polêmicas de nosso tempo , v.24.), 1989.VALLES, Lílian do. A escola imaginária. Rio de Janeiro: DO&A editora, 1997.Texto publicado na Revista da AEC,[3] A sociedade capitalista, também cognominada de sociedade do trabalho, justamente porque, pela primeira vez na história da humanidade, o Trabalho constitui uma categoria ontológica de sentido positivo, diferentemente dos modelos anteriores – sociedade escravocrata e feudal – em que o trabalho era considerado como castigo.[4] Nos modelos de sociedades do socialismo real a função da escola também não foi diferente. A escola enquanto uma instituição criada pelo poder prevalecente, tem se prestado a difusão dos valores que alicerçam o modelo da sociedade vigente.[5] Para maiores aprofundamento ler Foucault, Michel. A Microfísica do Poder.[6] Ver a Reprodução de Bourdieu e Passeron.[7] Em Pernambuco o processo de interiorização dos cursos de pós-graduação Lato Senso tem concorrido para ampliar a qualificação dos docentes sobretudo através da iniciativa da UNICAP e da UPE[8] Ver Democracia como valor universal. Coutinho, Carlos Nelson, Salamandra, 1984.